292 – O Brunello 2010, dez anos depois

Olá, amigos. Antes de começar, um pouco de geografia em meio à pandemia, se me permitem rimar numa hora dessas. Partindo de suas nascentes nos Montes Apeninos, o Rio Ombrone corta a Toscana e desemboca no Mar Tirreno, na costa oeste da Itália, pouco depois de passar por Grosseto. Pois é no topo de uma elevação do Vale do Ombrone, quarenta quilômetros ao sul de Siena, que se localiza a cidade de Montalcino, onde foi desenvolvida pela família Biondi-Santi uma bebida que se faria lendária.

Por volta de 1870 o viticultor e patriarca Ferruccio Biondi-Santi, inconformado com a tradição toscana de misturar a Sangiovese com outras castas para formar o Chianti, saiu à procura de um clone que propiciasse sozinho um vinho tinto robusto sem recurso a misturas. Após sucessivas tentativas decidiu-se pela uva Sangiovese Grosso, clone da Sangiovese conhecido na região como Brunello, ou seja, “moreninho” (como sabem, “bruno” em italiano é “moreno”).

Submetendo o mosto à longa maceração, amadurecendo o vinho em grandes tonéis de carvalho e envelhecendo pacientemente em garrafa na propriedade Il Greppo da família, chegou ao Brunello di Montalcino, tinto que foi exclusividade dos Biondi-Santi por oito décadas. Após a Segunda Guerra Mundial os sucessores abriram mão da exclusividade e outros vinicultores atreveram-se a elaborar esse tinto encorpado, taninoso e longevo, cálido, com seus 13% a 15% de álcool, disputando com Barolo e  Amarone a posição mais destacada no tripé de qualidade da Itália a nível mundial.

Hoje são umas quarenta e tantas vinícolas produtoras, muitas delas representadas no Brasil, como é o caso de Pievedi Santa Restituta e Andrea Costanti (importados pela Mistral), do Caprili, do Salvioni e do inefável Soldera Case Basse (importados pela Decanter), o Talenti e o Casanova di Neri (da Grand Cru) etc., isso sem falar em nomes seminais como os de Banfi, Castelgiocondo, Poggio Salvi, Col d’Orcia, o grande Altesino, Livio Sasseti, Fattoria dei Barbi (objeto do número 284 desta série de Curiosidades) e assim por diante, nomes que dão sede só de pronunciar…

Mais profundo e estruturado do que o Chianti, pleno de frutas vermelhas e capaz de longa evolução, o Brunello é um tinto tradicionalista, elevado a DOCG em 1980, que precisa de 8 a 10 anos para evidenciar seus atributos. A safra de 2010 de Brunello, que ora comemora seus 10 anos, reeditou a excelência daquelas de 2004, 2006 e 2007 em Montalcino, depois de dois anos (2008 e 2009) apenas bons.

Está na hora de abrir seu Brunello di Montalcino 2010, certamente no auge de sua forma agora em 2020 se foi guardado com os devidos cuidados. Já o fiz com o meu, comprado em 2016, mas, infelizmente, eu só tinha uma garrafa. Está bem, não se pode ter tudo. Eu não poderia ter previsto este confinamento há 10 meses que dirá há quatro anos.