A busca pelo mais famoso vinho do Império Bizantino

Fernando Miranda é professor da ABS Rio, ex-presidente autor de livro e artigos diversos sobre vinho.

Degustar um vinho com aroma do deserto extinto há mais de 1.400 anos. É o que planejam arqueólogos israelenses que descobriram sementes de uva milenares nas ruínas da cidade bizantina de Elusa, no deserto do Negev (Sul de Israel), conhecida por ter produzido o vinho mais saboroso do Mediterrâneo. As sementes são de uma variedade extinta, que desapareceu no século VII. O Vinho do Negev – ou Vinho de Gaza, pois a bebida era exportada aos quatro cantos do Império Bizantino através do antigo Porto de Gaza – fazia a alegria de amantes das libações na Grécia, na Espanha, no Egito e na Itália.

Essa é a primeira vez que sementes de uva da época bizantina são encontradas. Elas foram descobertas numa escavação conjunta da Universidade de Haifa e da Autoridade de Antiguidades de Israel (AAI). Como era de se esperar, estão envelhecidas e carbonizadas. Mas o material genético sobreviveu. Os especialistas vão agora tentar recriar o DNA das uvas para chegar o mais próximo possível do original da época bizantina. Textos da época contam como o vinho de Elusa, uma das maiores cidades da região durante a Era Bizantina, era de alta qualidade, caro e reverenciado. O que os estudiosos não sabem é o porquê.

– Não sabemos exatamente como eles faziam o vinho. Mas sabemos que a quantidade de açúcar era maior. Na uva europeia há algo como 8% de açúcar. Na do Negev, o percentual chegava a 13%. Era, com certeza, um vinho mais doce, com um nível de álcool mais alto – diz o arqueólogo Guy Bar-Oz, diretor da escavação.

– Nossa missão, agora, é recriar o vinho e talvez reproduzir o gosto para entender o que tornou o vinho do Negev tão apreciado. O único vinho produzido atualmente com variedades de uvas similares ao do Vinho do Negev é o Commandaria, que existe com esse nome na Ilha de Chipre, no Mar Mediterrâneo, desde o século XII. Durante as cruzadas, foi servido no casamento do Rei Ricardo Coração de Leão e chamado de “vinho dos reis e rei dos vinhos”. O vinho cipriota, considerado o mais antigo em produção no mundo, tem como matéria-prima uvas secas de variedades milenares, conhecidas desde 800 a.C.

Arqueólogos israelenses haviam descoberto, em escavações anteriores, terraços onde as videiras eram cultivadas, as prensas onde as uvas eram esmagadas, e jarros de armazenamento do precioso líquido. Mas as sementes .continuavam um mistério. Foi quando Guy Bar-Oz decidiu escavar com mais afinco nos locais que os moradores de Elusa (hoje o parque nacional de Halutza, tombado pela UNESCO como patrimônio mundial) usavam para juntar lixo. Essas lixeiras e estrumeiras coletivas marcavam as fronteiras da cidade e são tão grandes que podem ser vistas por satélites. Nelas, pesquisadores já encontraram cerâmicas, moedas e outros objetos. Foi aí que descobriram centenas de pequenos jarros com o que buscavam: as sementes.
– Procuramos no lixo para encontrar informação sobre o estilo de vida das pessoas, principalmente o que comiam. Encontramos muitos ossos de animais e outros resquícios de comida como húmus, trigo e cevada. Sabemos que eles comiam peixes do Mar Vermelho e lentilhas, sinal da riqueza da cidade. Mas também consumiam carne de porco, o que leva a crer que eram, em sua maioria, cristãos, e não judeus, conta Bar-Oz.

AUGE ENTRE OS SÉCULOS IV E VII – Para retirar os vasos do sítio arqueológico, os arqueólogos tiveram que usar métodos delicados durante a escavação, como peneiração fina e flotação de restos botânicos (estes flutuam depois que o solo se reacomoda). Depois de limpar a sujeira e recolher o material botânico, ainda foi preciso separar as sementes de uvas de restos de plantas, pequenos ossos de animais e carcaças de ratazanas.

Elusa, cidade que foi originalmente fundada pelos nabateus há mais de 3 mil anos, alcançou o seu auge entre os séculos IV e VII, quando tinha dezenas de milhares de moradores, teatros, escolas, igrejas e casas de banho. A cidade entrou em colapso no século VII por razões ainda não totalmente conhecidas. Foi abandonada e a produção de vinho acabou. Os vinhos produzidos no Negev, atualmente, são de variedades de uvas europeias. (* Especial para O GLOBO em 01/03/2015).